O cinza é uma abstenção. É aquele momento em que a
criança cruza os braços, fecha a cara e diz que ta chato. A ausência de cores,
dizem, é o preto, mas é o cinza.
Van Gogh cortou a própria orelha, tamanho desepero ao
se dar conta que daqui ele não tinha mais para onde ir. Ele provavelmente viu, pelas fendas de sua
sensibilidade lugares bem mais vivos, aos quais ele só teria breve vislumbre.
Foi a conversa fiada de todo dia no metro. Preferiu ficar sem orelha.
Eu vi seu filme. Ele não estava lá de verdade, mas os
corações ficam reconfortados achando que estão vendo o mundo com seus olhos. Nenhuma
daquelas cores existe. Aquilo não existe.
Tudo que há de interessante esta por trás de um
quadrado luminoso, do outro lado, bem longe do nosso alcance. Era pra estimular
consumo, mas só tem vendido depressão. Hollywood vende depressão e tv vende
ansiedade. Caixas azuis da ilusão que se completam, na ilusão colorida de quem
vive preto e branco. A vida fica cada vez mais opaca, mais cinza.
Eu também tenho
um caderno lindo, com folhas de gramatura x, encadernação y, sem pauta, onde
não escrevo e não desenho há dois anos. Isso é muito opaco. É a total perda de
brilho. Desmatização.
Existem duas palavras, que exigem uma emoção linguística
etmológica da pronúncia, praticamente estinta. Color e Dolor. São espanholas
matizadas de significados intensos, mas só quando envoltas em voz, na moldura
de uma boca, do contrário elas se anulam. Só funciona em espanhol, em francês
quase funciona, mas sobra alguma coisa. É uma situação territorial, coisa de
fronteira. Palavras refugiadas invocadas por outras línguas, ansiosas por
conhecer, sentir.
Isso é rubro, não pode ser cinza. Abstenções não fazem
isso.
Do lado de fora
da janela tem uma composição de três grandes plantas. São samambais suspensas
do lado de fora. Uma planta jussarica tentando, estéticamente, compensar a
falta de vida no fundo de cimento. Cimento queimado agora é tendência, estilo
indústrial. Mas este cimento não é queimado, é vintage.
Um mar de
pessoas torna cada pessoa um signo. Um elemento, que não é individuo.
É um elemento dentro de uma composição. Um mar de
pessoas é uma coisa só, e é coberto de fuligem. Coberto de fuligem e úmido da
garoa. Cimento.
Einsten viu as fendas sensíveis da vida e se curou com
teorias. Talvez não fosse cura, só reação. Jogou-se em teorias por que de realidade
não é possível sobreviver nessa terra.
A
fonte da vida agora é rasa e suja, vai ser canalizada com a obra do metrô. E
como todo esgoto, desagua no mar. Um mar de pessoas.