quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Color

O cinza é uma abstenção. É aquele momento em que a criança cruza os braços, fecha a cara e diz que ta chato. A ausência de cores, dizem, é o preto, mas é o cinza.
Van Gogh cortou a própria orelha, tamanho desepero ao se dar conta que daqui ele não tinha mais para onde ir.  Ele provavelmente viu, pelas fendas de sua sensibilidade lugares bem mais vivos, aos quais ele só teria breve vislumbre. Foi a conversa fiada de todo dia no metro. Preferiu ficar sem orelha.
Eu vi seu filme. Ele não estava lá de verdade, mas os corações ficam reconfortados achando que estão vendo o mundo com seus olhos. Nenhuma daquelas cores existe. Aquilo não existe.
Tudo que há de interessante esta por trás de um quadrado luminoso, do outro lado, bem longe do nosso alcance. Era pra estimular consumo, mas só tem vendido depressão. Hollywood vende depressão e tv vende ansiedade. Caixas azuis da ilusão que se completam, na ilusão colorida de quem vive preto e branco. A vida fica cada vez mais opaca, mais cinza.
 Eu também tenho um caderno lindo, com folhas de gramatura x, encadernação y, sem pauta, onde não escrevo e não desenho há dois anos. Isso é muito opaco. É a total perda de brilho. Desmatização.
Existem duas palavras, que exigem uma emoção linguística etmológica da pronúncia, praticamente estinta. Color e Dolor. São espanholas matizadas de significados intensos, mas só quando envoltas em voz, na moldura de uma boca, do contrário elas se anulam. Só funciona em espanhol, em francês quase funciona, mas sobra alguma coisa. É uma situação territorial, coisa de fronteira. Palavras refugiadas invocadas por outras línguas, ansiosas por conhecer, sentir.
Isso é rubro, não pode ser cinza. Abstenções não fazem isso.
  Do lado de fora da janela tem uma composição de três grandes plantas. São samambais suspensas do lado de fora. Uma planta jussarica tentando, estéticamente, compensar a falta de vida no fundo de cimento. Cimento queimado agora é tendência, estilo indústrial. Mas este cimento não é queimado, é vintage.
  Um mar de pessoas torna cada pessoa um signo. Um elemento, que não é individuo.
É um elemento dentro de uma composição. Um mar de pessoas é uma coisa só, e é coberto de fuligem. Coberto de fuligem e úmido da garoa. Cimento.
Einsten viu as fendas sensíveis da vida e se curou com teorias. Talvez não fosse cura, só reação. Jogou-se em teorias por que de realidade não é possível sobreviver nessa terra.
A fonte da vida agora é rasa e suja, vai ser canalizada com a obra do metrô. E como todo esgoto, desagua no mar. Um mar de pessoas.

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