quinta-feira, 22 de agosto de 2013



Lá vem a lua, fazendo luar na minha rua...

O momento não poderia ser mais luminoso e lindo.
 Moro em um vale encantado. 
Numa rua iluminada pela lua, e somente por ela, graças a Deus.
O vento vem avisando  sua chegada de longe. 
Na estradinha, sempre a mesma estradinha, que me leva à morada de todos os lugares, eu sigo cantando, no escuro, Pra espantar o medo besta. 
Ao meu canto responde o mato, sempre se mexendo quando passo, sempre tem alguém, algum, naquele mato. No mato todo e em todo o mato envolta. Envolta na noite, hora na luz, hora não, o morro sempre salta aos olhos. 
Eu gosto de noite de lua, ela cheia ou quase lá,  olhando Pro vale, me fazendo chorar, quando me permite ver quão lindo é o caminho, que faria mil vezes e a emoção que transborda viria nas mil. 
Seis quilômetros me separam da vila, alguns metros das casas amigas. Sempre esqueço a distancia, e varias vezes também a lanterna, mania de sempre achar que vai dar tempo de correr na frente do sol poente. 
Mania de sempre achar que vai dar tempo. Mas o tempo aqui é outro, ele não corre.  Sempre muito Pra fazer, e não querendo nada, pode também. 
Acordar cedo, treinar capoeira, cozinhar com os amigos, conhecer os amigos dos amigos, que sempre vem chegando. Sentar na frente da casa, na esteira de palha, o gramado, o sol, o almoço. Depois tem rio, alguém vai vir ai ensaiar dança afro, tem os meninos que vem Pra  percussão. E Pra que, e quem mais quiser tem musico. Veio todo mundo Pra cá, todo mundo que gosta de fazer um som, ou vários. 
Vai ter sauna, fogueira, jam na vila, forró no coreto, roda de Angola. Qualquer coisa agente se encontra na feira, Domingo.
Na volta, a tarde pode ser de filme, violão e biritinha. Esquecer da hora ou chegar cedo, Pra dormir quentinha, com Sublime Pra me ninar.
Vai de manhã subir o morro branco Pra ver o topo de tudo, Pra lá do mundo. Amigos produzindo no quintal, fazendo uma mesa e cantando com Luís Gonzaga, em português e portunhol. Espera, rapidinho acaba a mesa e vamos pro rio. 
Outro caminho, outra trilha, outra montanha, mais beleza. 
Uma casa sozinha lá em cima. Com mirante, um trapézio Pra ver todos aqueles montes de outro angulo, invertido.
 Fica cada vez melhor. 
Na casa da montanha tem fogão, e pé de tudo. Tem chá de fim de tarde Pra ver o por do sol. 
E fica cada vez melhor. Mesmo sem açúcar.
Sem conhecer os pontos mais turísticos, fico feliz, por hora, pelos paraísos quase secretos que fui apresentada. Vontade de engolir tudo, Pra ter certeza que nada se perca. 
Que meus olhos consigam registrar exatamente  como meu coração viu, e que a mente traga sempre o sentimento quando vier a lembrança. 
Quem me engoliu foi ela, beleza alem do que eu sou capaz de entender. 
Por que não precisa entender, é só ser.
 Hoje não tem lua. Noite escura de frio e chuva, mas escrever revive tudo como se fosse agora. 
Oh Santa Clara, traz a noite aberta e enluarada. Vontade de sair e dançar na clareira, em baixo da lua cheia, em volta da fogueira, com um tambor bem forte pulsando, coração e alma que incendeia.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

As agruras de hoje, que ainda bem, só duram hoje

Martim Luther King tinha um sonho, eu tenho um problema. 
O caminho mais eficiente para a decepção é idealizar. Eu sei disso, vocês sabem disso, todos sabemos, mas eu insisto no cavalo capenga da idealização.
Idealizei um Vale do Capão que não encontrei, resultado, decepção.
De ouvir falar em como o lugar era especial e lindo, esqueci que as coisas praticas da vida existem aqui também, e assim como os iluminados de alto paraíso, aqui as pessoas também precisam de dinheiro. Cheguei e fui logo em busca de um emprego. A Vila é bem pequenininha, então não é muito difícil rodar por todos os comércios em busca de uma vaga. Bati em todas as portas, e nada. A já velha conhecida condição da baixa temporada. Com tantas negativas e falta de perspectiva, me deixei desesperar. Rolou um cansaço acumulado de coisas que eu não deixava emergir, e que ali ganharam espaço, e foram mais fortes. Uma fragilidade, uma preguiça de resistir e simplesmente encontrar uma solução. Fiquei no vazio da necessidade, me sentindo sozinha, e estava. Em um caminho que eu mesma escolhi. Onde  la garantia sou yo, parafraseando Marília Costa. Parei um minuto, dei uma respirada e lembrei da minha mãe: "quem chora não chega a lugar nenhum" . Chorei mesmo assim. Mas foi um choro de descarrego de toda aquela angustia e desolação daqueles breves minutos. Sim, isso tudo eu senti andando pela cidade, que é muito curta, então foi rápido. Um breve despencar.
Logo avistei o motorista do ônibus em que viemos de Seabra pro Capão, e fui me informar sobre os horários, uma única viagem por dia, saindo da vila as 06:00.  Se nada acontecesse, eu iria embora no dia seguinte.
Eu poderia ficar nas casa do Passarinho, que me recebeu muitíssimo bem. Ele mora em uma casa que esta abandonada há alguns anos. Seria uma ocupação, mas o dono autorizou a permanência dele e de um amigo. Ele esta lá ha dois meses, nos quais ele passou a maior parte do tempo viajando. A casa esta bem abandonada, vazia, sem banheiro e muito sinistra. Enfim, eu com minha frescura, que nem sei se devo chamar assim, na verdade, na minha vontade de viver as coisas, e no meu caminho de aprendizado, ainda não cheguei neste desapego. Ta certo que dormi no chão de baú de caminhão no trajeto, em escola municipal invadida durante o festival, em quintal alheio, chão da casa de desconhecidos e etc. Mas não podia contar com a possibilidade de ficar na casa do Passarinho por muito tempo.
Estava decido, a manhã seguinte seria a manhã da partida.
Passei por um padaria na volta, Pra comprar um pão integral que o Passarinho havia pedido. Lá fiz mais algumas tentativas , assuntando por ali sobre um emprego. Foi ai que eu conheci Dula, Kordula. Uma austríaca, que esta no Brasil ha muitos anos, e no capão ha 15.
Ela pediu Pra que eu fosse ate seu sítio no dia seguinte, Pra conversar. Eu aceitei.
Peguei meu pão e fui embora. Ainda queria ir embora, mas por que não ficar e ver no que dava?
Fui, conversamos, e foi uma conversa linda e emocionante. Nada profissional.
Uma pessoa muito especial e diferente, como o significado do nome já diz, "caminho do coração", e que coração.
Na conversa descobri que ela é uma terapeuta e massoterapeuta, conhecedora de técnicas alternativas. E ela que precisava de ajuda com seu sítio, descobriu que eu era produtora em SP, e abriu um enorme sorriso, pois estava precisando muito de alguém para auxilia-la na produção de congressos e retiros. Me ofereceu casa e comida em troca da ajuda com o sítio e a organização de seu trabalho. 
O meu novo lar é maravilhoso, meu quarto é dentro de um templo onde ela atende seus clientes. O chuveiro é frio e ao ar livre. O banheiro, é um banheiro seco, mas de forma alguma eu posso reclamar. Só posso agradecer. A adaptação tá rolando. Na verdade já até acostumei. Menos com o banho frio.
No momento da nossa conversa eu estava com o coração apertado. Mas logo me desmanchei diante daquele caminho que meu coração recebera.
Acreditando que nada é por acaso, vou viver esse encontro. Certa de que não estou sozinha, tem um universo inteiro a meu favor.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Segue o seco

No meio de tantas figuras que conheci em Alto Paraíso, estavam as flores Nati e Gabi, como já disse. Não tivemos muito tempo próximas, mas gostei das duas logo de cara. Em minha primeira vez na casa delas, ja comecei a dar palpites na decoração. Elas entraram na onda e fizemos todo um projeto de reestruturação da casa, incluindo a exclusão de algumas paredes. No fim fiquei devendo as  prateleiras diferentes que  ainda estão em fase de desenvolvimento na minha cabeça. Estas prateleiras começaram toda a conversa sobre a decoração, quando disse que Pra mim era uma idéia recorrente sempre que entro na casa de amigos e novos conhecidos nestes últimos meses. A maioria são viajantes, que mesmo estando a meses no lugar, não estão acostumados a acumular coisas, pois podem resolver ir embora a qualquer momento, mas ao mesmo tempo suas casas, ou quartos, são sempre desorganizados, alguns são bem organizados, ok, mas todos são sempre sem identidade, com as paredes lisas, sem nada que lembre uma vida em andamento no ali. E por algum motivo eu sempre associo prateleiras para ajudar nesta mudança. Enfim, estou devendo prateleiras para as duas flores do cerrado, de quem sentirei saudades.
Outro que conheci no susto foi Gastão, vulgo  Passarinho, como já disse aqui. 
Um uruguaio amigo do pessoal. Morava em Alto Paraíso, mas ha alguns meses mudou de Chapada, e foi pro Vale do Capão.
Eu pedi alguém Pra me acompanhar na carona, de volta Pra Bahia, e veio ele. De repente.
No dia 06 de Agosto, eu e Passarinho nos encontramos muito cedo na rodoviária de Alto Paraiso. Tenho que frisar que ele se atrasou meia hora,  e eu estava lá pontualmente as 05:30 (sim, eu consigo chegar no horário. Só por hoje)
Fomos Pra estrada, da coisa fluiu bem mais fácil do que eu esperava. Três caronas, e em um dia e meio estávamos aqui.
Chegar nos lugares é bom, mas o caminho tem se mostrado muito, muito especial Pra mim. Na estrada é sustiver ter um misto de sentimentos de forma intensa. Acho que é o maior exercício de auto conhecimento com o qual  me deparei ate hoje. Isso sem falar na paisagem.
Me emocionei com a beleza das montanhas, e são muitas entre essas duas chapadas. Me se ti pequena vendo aqueles lindos gigantes de pedra, cada vez maiores a medida que me aproximava. Tão perto, e tão grande. Em tamanho e beleza. Construções que realmente só podem ser divinas, por que nada explica o encaixe e oposição de algumas pedras, que pela lógica humana seriam inviáveis em sustentação e durabilidade. Mas o cara que montou isso aí...esse cara manja.
Ao longo da BR 242 é possível ver sempre um conjunto de montanhas recortadas no horizonte, com um céu azul de fundo. Também da Pra ver a mudança na vegetação. Antes de chegar nessa estrada vi desertos a perder de vista, terras secas,totalmente desmatadas para o plantio de soja ou algodão. Uma das várias e grandes tristezas resultantes da mão do homem. Nem sequer uma árvore, um chão vermelho, que naquele calor, parecia pegar fogo. Até onde a vista alcança. Desolador.
Na 242 seguia o seco. O cerrado continua por uma boa parte da Bahia, e o mesmo que vi na ida, vi na volta. Boi morto na beira da estrada. Um gado magro dentro das cercas, com um capim aqui e outro lá, seco, que não tinha nem cor. Ali não tinha a opção, de derrubar ou não derrubar. Ali não nasce, não cresce.
Gente andando no meio de um nada, onde muitos km separam os vilarejos de beira de estrada, e a paisagem não alimenta a esperança, com seus potes, seguindo em busca de água. Onde? Nem imagino.
Vários jegues parados em volta de uma caixa d'água, enquanto os donos abastecem seus baldes e galões.
E o caminho seco, seco de tudo. 
Fez rever muitas coisas, muitas prioridades e atitudes. Fez pensar ali dentro, onde dói a mudança, que é tão pequena e ridícula perto das agruras desta vida, desta gente que sofre quieta e parece tão amarrada na falta de condições de mudar.
Ali eu quis ser menos, menos tudo que me infla e me impede de enxergar. Mas não de fazer, por que lamentar não enche barriga. E nem faz água brotar.
Alguns km a frente o cenário mudou . As montanhas ainda estavam todas lá, mas o céu cardado de nuvens no horizonte indicava que a Chapada Diamantina  já se aproximava.
Senti a fisgada da brincadeira dos Deuses do Olimpo conosco, um jogo de mau gosto.  M uma distancia relativamente curta, seguindo pela mesma estrada, a diferença climática seja tão gritante, e tão desproporcional.  Depois de chegar no Capão, eu viria a saber que só recentemente a Chapada saiu de uma seca de dois anos. Onde a beleza não secou, mas a chuva ao era suficiente Pra molhar a terra, e nem Pra manter todas as nascentes. E muito se perdeu nos incêndios na mata da Chapada.
Eu e Passarinhho chegamos no Capão por volta das três da tarde. EE. Baile mostrando e explica do coisas no caminho. Quando chegamos em Seabra, eu tive que fazer um grande esforço para descer. O caminhoneiro que nos deu carona de Goiás até ali, Wilson, estava indo para Recife. Senti uma pontada das coincidências que não são coincidências me pegar, mas tive medo de chegar sem nada preparado e com pouca grana em uma cidade grande. E resolvi fazer como disse minha amiga Tati, "Pra ir na dúvida, fica na certeza". Então segui pro Vale do Capão, cheia de certeza. Duraria pouco, mas o que importa é o momento, e naquele momento eu estava certa da minha certeza.




domingo, 11 de agosto de 2013

O céu mais azul que o azul se permite ser

Fiquei quinze dias em Alto Paraíso, mais ou menos. Esta difícil manter atualizada as postagens aqui, por conta do acesso, não tão acessível, à internet.
No azul mais azul que um céu pode ter, vivi o absurdo de estrelas, cravejando um teto de exaltação à vida sobre a minha cabeça, me mostrando mais uma vez o quanto sou pequena, ao mesmo tempo que sou tão grande quanto o que me cerca, uma vez que faço parte de tudo isso.
No cerrado a vida é amarela, quente, com variações de verdes chapados,  cobertos por uma névoa de poeira fina e bege, que deixa tudo fosco, pastel. Essa paisagem é salpicada por flores que brotam em todas as ruas de Alto Paraíso. Lindas combinações de vermelhos, laranjas e violetas, em flores que não pude guardar os nomes, mas tenho as formas cravadas na retina. A boca aberta diante do Ipê, alto e cheio de um amarelo inaceitável.  E eu me questionava a todo tempo como é possível tanta riqueza e tanta beleza naquela secura de clima. E naquela variação brusca de temperatura, onde amanhece quarenta graus, chega a níveis indecentes de calor por volta das 14:00, e o por do sol é o tempo exato que se tem para vestir "aquela"blusa, calça e tênis, por que no momento que o sol se pôs, amigo, é chá quente e fogueira Pra esquentar os ossos.
E as araras, me acompanhando até a padaria? E os tucanos voando baixo enquanto eu estava ali, parada na praça em frente a rodoviária? Como faz Brasil?
Uma beleza muito intensa e muito contrastante, de cores tão vivas com uma variação de muitos verdes esmaecidos e opacos das matas ao redor da cidade, na Chapada. E apesar de tudo isso o mais impressionante Pra mim é a imagem da vegetação na beira da estrada, em todas as estradas da região. Uma cor completamente diferente do resto, como se uma cerca viva, pintada de cobre, acompanhasse a estrada. Completamente coberta com o pó, sem qualquer vestígio do verde natural. 
Tive a sorte de poder acompanhar o trabalho do Raiz com Evandro, um pintor de São Paulo, que pintava as belezas da chapada enquanto era fotografado por Raiz. Assim pude conhecer um pouco mais da chapada e do seu trabalho, um lindo trabalho alias. Uma figuraça também. Com o corpo coberto de pinturas de padrões indígenas, acocorado no meio do nada, de frente pro cavalete, cercado de tintas e pincéis cravados na terra, reproduzindo as belezas daquele lugar. 
Vou sentir falta da Feira do Agricultor, com todas as suas delicias. E onde quase voltei nua, por que tudo que tinha troquei por doces, bolos e chocolate do pessoal da Tao do Cerrado. Tudo orgânico e gostoso de um jeito...quase indecente, com receitas que misturavam frutas, ervas, enfim, tudo do cerrado. 
 E foi em uma das noites mais frias, quando fomos agraciados com uma fogueira de aniversario, na casa do Ivan Anjo que me aproximei de Nati, Gabi e Passarinho.
Essa fogueira foi memorável. Não sei se haviam mais músicos ou mais instrumentos. Quanta gente talentosa. Teve quem cantou, quem dançou, quem contou historia e quem poetizou lindamente em volta da fogueira. Não sou muito de dizer esse tipo de coisa, mas a energia ali era outra.
Talvez Alto Paraíso tenha deixado sua marca. 
Alguns dias depois de desistir de uma carona com Evandro, que me levaria ate o Rio de Janeiro e depois SP, comecei a desejar uma companhia para seguir de volta para a Bahia, nem estava muito certa de quando queria ir, mas queria alguém Pra ir junto. E neste mesmo dia, na casa da Nati e da Gabi, enquanto estávamos falando sobre a chada Diamantina e o Vale do Capão, Passarinho vira de repente e me pergunta " vamos de carona pro Capão?". Eu respondi que sim, meio que no automático, então perguntei quando, e ele respondeu de pronto, "amanhã". Veja bem, não foi uma pergunta, foi uma afirmação. E esta Geminiana que voz fala, confusa e indecisa, foi contaminada com toda a certeza e decisão de Passarinho, e respondeu confiante que sim..."mas será que pode ser depois de amanhã? "

sábado, 10 de agosto de 2013


Fiquei uma noite, que virou duas, que viraram três...

Logo que cheguei aqui me disseram que Alto Paraiso era um lugar caprichoso, que escolhia as pessoas. Se é verdade ou nao eu nao sei, talvez nao tenha tido tempo para descobrir, mas vi que o Paraiso se equilibra em coisas terrenas e divinas, quase na mesma proporção.
Fui brindada por experiências muito fortes, que não posso afirmar serem exclusividade do local, mas com certeza aqui tem uma coisa a mais. Um movimento que me balançou, e me trouxe uma inquietude que ainda nao sei explicar. Só sei que foi assim.
Lá atras, o dia 21 de Julho, cheguei em Vila de São Jorge, onde, procurando um lugar Pra ficar conheci Junior, um maluco da BR, que ha tempos parou por aqui. Junior nos ofereceu o quintal do Danilo Pra acampar, o Danilo mesmo não estava, tinha ido a um festival de música Eletronica na Pedra da Lua, mas a casa estava cheia. O esquema do quintal era acampar aquela noite e sair bem cedo no dia seguinte.
Na manhã seguinte acordamos e encontramos Junior e um outro cara, vindo diretamente de woodstock, ambos com uma certa euforia que nao condizia com o horário, mas que condizia com a loucura da cidade onde estava acontecendo o Encontro de Culturas e muitas festas simultâneas, todas as noites, a noite inteira. Na casa do Danilo conheci Bruno, o Raiz. Igualmente falante e eufórico. Dali Nelson e Janina queriam seguir para a Aldeia Multietnica, que ficava a quatro km de São Jorge. Fiquei balançada, Por que queria ficar na cidade, para o Encontro, e foi ai que eu e meus parceiros de viagem, até então, nos separamos.
Fiquei na casa do Danilo, só por uma noite, que virou duas, que virou três.
E consegui conhece-lo, pouco antes de ir embora e a tempo de agradecer pela estadia daquela casa super movimentada, inclusive na ausência de seu dono.
Por lá passaram Juliana, seu companheiro e seu filho, Irineu, que só ia lá pra usar a cozinha e fazer suas cocadas, que vendia nas ruas durante os shows do encontro, sempre acompanhado de um trompete. Junior, com muitas historias sobre suas viagens e muito artesanato, e alguns outros, com quem não cruzei, só ouvi falar.
O encontro de culturas foi no mínimo interessante. Me diverti demais nas vivências e oficinas. Muitos grupos sensacionais de cultura regional. Os calos e bolhas na mão, de descascar cacau, recém curados voltaram com força total durante as oficinas de percussão, Maracatu, tambores do Maranhão e afins.  Em cinco minutos de oficina Chegaram as bolhas, mas Valeu muito a pena.
E o Raiz virou amigo, me recebeu em sua casa quando fui de São Jorge para Alto Paraíso.
Me contou sua historia, de como um raio mudou sua vida. Depois de quase morrer, passou três meses desmaiando pela cidade, começou a tocar instrumentos nunca tocados antes e descobriu a fotografia como profissão. Por insistência do pai, que saiu de Curitiba para Alto Paraíso quando soube do ocorrido semanas depois, Raiz foi ao médico e descobriu que parte de seu sistema nervoso ficara instável, uma certa região foi gravemente afetada, em contra partida uma outra região despertou, trazendo lindas surpresas como a flauta, o violão, a fotografia, a poesia e a vontade extrema de viver. Ele tem um certo tremor nas mãos de vez em quando, mas hoje vive e faz arte, que brota dele.
Antes de ir quero compartilhar a emoção que senti semana passada, quando parte da minha vivência foi colocada de forma tão linda e tão clara no blog "Entre duas línguas", do meu amigo Demis. http://entreduaslinguas.wordpress.com/2013/07/31/nu-meio-do-caminho/
Foi bonito de ver, de ler, em palavras que não encontro, um pedaço de minhas verdades.
Obrigada mais uma vez Cubano. Boa caminhada Pra nós.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Vamus nus

Comecei a fechar as portas abertas em Itacaré ha duas semanas. No Sham Rock Blues, um lugar onde foi ótimo estar e trabalhar, avisei antecipadamente sobre minha ida. Um Pub em Itacaré, onde eu ouvia rock todas as noites, todas as três nas quais eu trabalhava semanalmente. Lá tinha muita conversa, eu servia, sorria, bebia, cantava e dançava enquanto trabalhava. Meu chefe era um argentino muito louco, Max, e Iane era a dona, que eu só encontrava na praia. Foi uma delicia passar por lá, mas como nem tudo é perfeito, no Sham o esquema  é "Divirta-se muito e ganhe pouco". E o pouco já estava muito pouco Pra viver.
Me despedi dos amigos, arrumei minhas coisas em uma mochila emprestada. Mochila do Caue, de 35 litros, para TODAS as minhas coisas. É claro que não coube nem metade. Ainda bem, por que não daria conta de carregar.
Na véspera da partida consegui despachar minha mala de rodinhas para São Paulo, através da Aline, uma querida, amigona da Marília, que estava em Itacaré de ferias, hospedada na Buddy's. Uma fofa, mas completamente louca.
Mandei algumas coisas de volta dentro da mala, metade eu deixei na Buddy's, e o estritamente necessário, e algumas coisitas, eu soquei na mochila e vim.
Eu, Yanina e Nelson, o casal de chilenos, levamos cinco dias para chegar em Vila de São Jorge, Chapada dos Veadeiros, GO.
O mais difícil foi conseguir sair de Itacaré e chegar na cidade vizinha. Andamos muito, mas depois os bons ventos soprara nosso favorece deu tudo muito, muito certo.
O caminho foi percorrido com a ajuda de um ônibus escolar, que mos levou através da estrada para Taboquinhas. Estrada de terra, ônibus cheio de estudantes da zona rural da região. Naquele ônibus que chacoalhava loucamente, em um calor do meio dia, conheci Raiane, super esperta, aluna da sétima serie. Comunicatiiiiiva, ela nos explicou tudo sobre a região, ate onde ia o ônibus, como era a estrada, como era sua vida, falou sobre os pais, sobre a fazenda onde moravam e trabalhavam. Falou sobre a vontade de ir mais vezes a praia, pois apesar de estar a pouquíssimos km de Itacaré os pais nunca tem condições de passear. Ficou super curiosa e fez mil perguntas sobre a gente, a viagem e sobre São Paulo, me disse sem muita certeza que um dia quer ir Pra São Paulo, estudar direito. Eu olhei aquele ônibus, velho, com buracos no chão e muita ferrugem. Aquele monte de criança e adolescente, cheio de curiosidade olhando Pra gente, a Raiane, e me deu um apertinho no coração. Quantas daqueles crianças vão concluir os estudos? quantas vão terminar o ano letivo? Quantas vão conseguir realizar seus sonhos? Quantas vão conseguir sonhar?  Cada parada do ônibus era na entrada de uma fazenda e desciam cinco, as vezes mais de dez crianças em cada fazenda. Nos descemos no ponto final, uma Vilinha de frente Pra estradinha de terra. Ali ja tinha uma kombi aguardando os alunos que desceram do ônibus, entre eles Raiane, que ainda segue mais meia hora de kombi, Pra só então atravessar o rio de barco e andar ate sua casa. Que Deus e todo o universo renovem as força e a vontade de Raiane sonhar e realizar. 
Depois que a Kombi se foi e o ônibus escolar foi estacionado acabou o movimento da Vilinha. E só restamos nós no ponto de onibus, em uma estradinha de terra onde não passava ninguém, até que passou Allan, na estrada enlameada e esburacada parou de bom grado e nos deu carona, não só carona, ele nos convidou para conhecer sua fazenda turística, Vila Rosa, jantar e dormir por lá. Será que nos aceitamos?
No dia seguinte saímos logo cedo e de carona chegamos em Ubaitava, onde na BR 101 conhecemos o LuLa, um caminhoneiro muito figura, falante e feliz. Ns disse que gostava de dar carona Pro "nosso pessoal", os últimos haviam sido um casal de holandeses, que ele fez questão que depois fossem visita-lo em sua casa e nos intimou a fazer o mesmo. Passamos algumas horas no caminhão com Lula, chegando próximo a Cruz das Almas ele nos disse que já estava ficando triste, por que estávamos chegando no ponto de descer e ele seguiria viagem sozinho. Ele nos contou muitas historias e muitos causos, nos deu dicas, mas principalmente falou com muito orgulho das três filhas super inteligentes, diversas vezes, principalmente da filha doutora, primeiro lugar em medicina em três universidades federais, "ela pode escolher", dizia ele, e hoje depois de mestrado e doutorado, ("ela é doutora meeeesmo, de doutorado e tudo"), na Suíça e em Cuba, ela é o orgulho da familia.e. Ainda tem a dentista e a aspirante a advogada. O homem era só orgulho, mas demonstrava muito mais orgulho em dizer que todas eram tão loucas quanto ele, e que adoravam uma farra, simplicidade e cerveja. Me fez ligar Pra minha mãe, do seu celular, quando disse que ela era muito preocupada.
Lula me passou seu endereço, em Juazeiro do Norte. Quer nos ver lá a qualquer custo, e durante a viagem se empolgava falando dos lugares onde vai nos levar Pra conhecer. No caminho fizemos uma parada obrigatória Pra provar o melhor suco de laranja do mundo, em uma barraquinha na beira da estrada. E realmente estava muito ótimo. Ele nos deixou o posto de caminhoneiros, em Feira de Santana. Nos abraçou calorosamente, nos fez mil recomendações e se foi, rumo a Juazeiro.
Foi virar as costas e demos de cara com Gilmar, perguntamos Pra onde ia, e ele disse Brasília. Malandro, esse foi o momento em que eu quis chorar de emoção. Foi a primeira pessoa que eu vi, a primeira que indaguei sobre carona e o cara vai exatamente Pra onde nos vamos. Como faz Brasil? A gente desconfia, claro, por que a vida nunca é assim tão fácil. Então eu agradeci, ele disse que só ia na manha seguinte, e eu passei as três horas seguintes caçando carona pelo posto com Yanina e Nelson, Pra sair ainda naquela noite.
Dentro da lanchonete Nelson conheceu Jorge, enquanto eu estava arrumando uma carona ate Barreiras, metade do caminho. No fim das contas não seguimos Pra Barreiras, por que fomos fazer o jantar na cozinha móvel do caminhão do Jorge. Ele nos convidou por que tinha feito muito feijão, e nao queria que estragasse, levamos nosso arroz Pra cozinhar lá. Dai apareceu um com uma bacia de batatas, que havia ganhado e não podia comer por que era diabético. Chegou outro com uma peca gigante de queijo de Minas e resumindo, fizemos um jantarzão no estacionamento do posto, entre duas carretas, com música e muitas risada. E adivinha quem estava lá com a gente. Gilmar, todo prosa e só conversa e sorriso. Os caminhoneiros descolaram uns tickets Pra banho nos banheiros do posto, que me surpreenderam. Parecia um vestiário de clube, enquanto eu esperava um lugar desmantelado, mal iluminado, sujo e com água fria. Foi uma surpresa muito, muito feliz.
Depois desta convivência gastronômica não havia mais como desconfiar da boa vontade e da boa sorte que nos apresentou ao Gilmar. Seguimos com ele.
E assim passaram os dias, aprendi um bocado sobre a vida dos caminhoneiros e lembrei muito do meu pai, em varias situações. Ele que também é caminhoneiro, e passa pelas mesmas alegrias, apuros, solidão e saudade de casa, unanimidade entre todos, mas apesar de tudo nenhum quer trocar de vida. Alguns, próximos da aposentadoria, estão contando os dias, mas só Pra descansar. Como o Lula, que não se vê trabalhando em outra coisa, só quer mais tempo Pra farriar com as filhas.
Esse post e essa parte do caminho vão pro meu pai, vivência minha é claro, mas tudo a ver com ele, conosco, em lembrança e sentimento.
Vai Pra ele que deve estar em alguma estrada entre Minas e Paraná. Ouvindo moda de viola ou música sertaneja. Estressado com o transito, policia rodoviária, buracos na estrada ou rindo alto, fazendo piada com alguém pelo radio ou falando bagarai e tomando breja enquanto espera o dia seguinte Pra sair com o caminhão carregado. 
Ele não vai ler, não é um adepto da internet.
Deve estar tentando me ligar ha dias, e puto, por que  aqui não tem sinal. Kkk!

Te amo madruga!

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Parte II

Chegado em Salvador estávamos todos fora do nosso território, todos sendo guiados por uma francesa em Salvador. A única que conhecia o caminho.
Saindo da Rodoviária e atravessando uma ponte sobre um rio poluído, cercado por rodovias em suas margens  me trouxe uma certa familiaridade com o local.
Pegamos o ônibus e seguindo a orientação do cobrador, descemos no lugar errado, e andamos, muito, na chuva.
Com uma super mochila nas costas eu andava pela orla da Barra e pensava de quanto tempo vou precisar para começar a deixar minhas coisas pelo caminho, cansada de carregar os exageros que carrego comigo. Talvez ainda tenha que andar muito, e aposentar a mala de rodinhas.
Depois do que me pareceram milhas e milhas finalmente encontramos o prédio.
Novo drama.
Marion toca o interfone. O porteiro atende, ela informa o apartamento em questão. O porteiro então estica o pescoço para ver melhor os cinco mendigos molhados, com mochilas, perdidos no bairro de classe media as onze da noite.
Desconfiado o porteiro reponde que não havia entendido. Marion repetiu o número do apartamento e o nome da Vó. Tive que entrar na conversa, por que nao estava rolando um entendimento. Ele nos disse que a dona não estava, explicamos a situação e que na verdade era o neto dela que nos esperava. O porteiro afirmou categoricamente que Caio também não estava, que não aparecia lá havia semanas, e que o apartamento estava vazio. "Mas nós  acabamos de falar com ele".
" Ele não esta não. O apartamento esta vazio. Se tivesse alguém teriam avisado aqui na portaria que vocês estavam chegando."
Foi um misto de aflição, risos nervosos e impaciência. Foi preciso continuar insistindo para que tentasse contato com o apartamento. Finalmente ele ligou, momentos de tensão. O porteiro havia conseguido instaurar a duvida em mim, e agora eu já pensava em onde iria dormir caso fossemos jogados na rua.
"Ninguém atende." Ele disse triunfante.
" Moço, tenta de novo." Enquanto isso Marion tentava sem sucesso falar com Caio pelo celular.
O porteiro tentou mais duas vezes. A essa altura já estávamos lá dentro, no saguão do prédio. Havíamos criado um vinculo do infortúnio com o porteiro. Nós, sem tetos em potencial em buscas de abrigo e ele, com um turno todo pela frente e cinco pessoas insistentes, ali no seu saguão, as quais ele havia cometido o erro de deixar entrar, e já vislumbrava a dificuldade de tira-las dali. Eu vi tudo isso na cara dele, e tive que rir, coitado do homem. So queria passar a noite tranqüilamente ali na guarita assistindo sua tevezinha. Ele era o retrato do arrependimento. Principalmente quando apareceu um morador, estilo o intrometido da vizinhança. E teve inicio toda uma explicação sobre o por que do burburinho.
Quinze minutos se passaram quando finalmente o telefone tocou, o porteiro atendeu. E eis que ninguém mais, ninguém menos do que Caio ao telefone, tranqüilíssimo, recém saído do banho.
O porteiro sorriu sem graça, Marion sorriu feliz, o restante de nós sorrimos aliviados.
A casa da vó era exatamente uma casa de vó. Um apartamento cheio de coisas lindas e antigas. Banho que te e cama macia.
No dia seguinte conhecemos a pérola desta viagem, Geraldina, uma pessoa linda, e muito carinhosa, que trabalha com a vó( todos já nos consideramos seus netos, ainda que ela não nos conheça) há muitos anos.
Foi com lagrimas nos olhos que no dia seguinte me deparei com a mesa de café da manha que Geraldina preparou Pra nós, mas fiquei um pouco constrangida por não te-lá ali na mesa comendo conosco. Mesmo com toda nossa insistência ela não quis sentar para tomar café.
Depois do café fui ate o Teatro Castro Alves para fazer a inscrição em um curso de desenho de figurino. A idéia era que assim que eu voltasse pegaríamos o caminho da roça.
Retornei ao apartamento e assim que passei pela porta sabia que não seria assim tão rápido. Vários aromas inundavam a sala, e a mesa ja estava posta. Geraldina preparava o almoço, e nenhuma das quatro criaturas que ficou no apartamento avisou a ela que já estávamos de partida. Segundo eles seria quase uma falta de respeito, uma desfeita.
Almoçamos felizes e tranqüilos, na verdade ninguém queria ir embora. Mas todos de alguma forma tinha, seus compromissos. Eu, no caso, só queria estar em Itacaré até as 21:00 para trabalhar. Mas a vontade era bem outra. A total liberdade que todos temos,o compromisso com nossas escolhas e a consequência de nossas vontades. É disso que se trata.
A volta era simples. Ônibus até o Ferry Boat, de Ferry Boat até Bom Despacho, e lá um ônibus direto para Itacaré. O ultimo saindo as 16:00.
É curiosa a estupidez do ser humano, que passa pelas mesmas dificuldades, inúmeras vezes, pelos mesmo motivos e ainda assim continua fazendo tudo igual.
Faltando cinco minutos para o horário de saída, chegamos a estação. Chegamos em tempo, quem atrasou foi o Ferry Boat. E atrasou muito.
Com o trajeto todo cronometrado para chegar a tempo de pegar o ultimo ônibus em outra cidade, o plano não admitia atrasos. Durante a espera compartilhamos historias e algumas vontades, entre elas a minha vontade conhecer Camamu, que só tinha ouvido falar o nome. Quando saímos de Salvador já passava das 15hs00, e chegamos a Bom Despacho quase 17h00
É claro, obvio, que o ônibus saiu pontualmente as 16h00, sem nenhum passageiro, pois estavam todos atrasados, junto com o Ferry. Nova rota, um breve interrogatório no guiche de passagens, e descobri que havia um lugar, ha quarenta minutos de Itacaré, pra onde coincidentemente estava saindo um ônibus naquele exato momento. O lugar era Camamu.
A essa hora já havia enviado uma mensagem ao chefe, avisando que ia me atrasar. Como alguém que entra as nove da noite, e mora na mesma rua do trabalho, consegue se atrasar, ele deve ter pensado. Mal sabe ele, e se soubesse, não acreditaria.
Até Camamu seria, aproximadamente, quatro horas de viagem. Chegamos lá e a cidade estava vazia, tudo fechado, inclusive a minúscula rodoviária.
Depois de conversar com os únicos dois moradores a desobedecer o toque de recolher, constatamos que não havia mais transporte para casa.
De repente um potente sistema de som sobre rodas vira a esquina. O som do Axé, vibrando até na minha medula, ecoava dali até Manaus. Pensei que passaria direto, mas parou, desligou o som e se ofereceu Pra nos levar por um preço razoável, caso precisássemos. E eu que estava com uma reclamação pronta por aquele som terrível, só consegui sorrir e agradecer pelos acezeiros de plantão. Sempre tão dispostos e com tanta energia. Proteja Senhor, todos eles.
Foi só o tempo dele ir guardar suas caixas faraônicas para que pudéssemos entrar no carro,  e estávamos no caminho.
O dono do carro foi nos contando sua história, um faroeste caboclo, sobre o seu irmão, que tinha sido assassinado há umas semanas, e como havia se aproximado do assassino, sem que este soubesse quem ele era, e como pretendia conseguir sua vingança ganhando a confiança do cara. Uma história surreal, com muita arma, violência, tristeza e vingança. Me impressionou muito. E se não foi verdadeira, admiro a mente que a produziu.
Cheguei na porta de casa, na Pituba, exatamente as 22:20. Foi o tempo de tirar a mala do carro, entrar em casa e ir pro trabalho.
Cheguei na cidade atrasada, cansada, mas a tempo de descobrir que aquecera o primeiro de quatro dias da festa de São Pedro. Fui obrigada a ir Pra lá né, assim que o bar fechou, a uma da manhã.

segunda-feira, 8 de julho de 2013


No vai da valsa

Esta meio abandonado isso aqui, mas é que muitas coisas tem acontecido, e são muitas coisas para contar, e entre contar e viver, tenho escolhido viver.
 O registro tem ficado aqui comigo, gravado na mente, nos olhos embasbacados e no coração. 
As coisas na Bahia simplesmente acontecem. É preciso ter um certo cuidado com o que se deseja aqui, por que acontece. Nos últimos tempos minha vida na Bahia foi um desdobramento de sucessivos encontros que me levaram a desencontros que me levaram a encontrar coisas que nem estava procurando. Vida é realmente uma coisa muito louca, da qual ninguém pode escapar, como minha grande amiga Camila me lembrou essa semana. Quanto antes entendemos isso maior a nossa oportunidade de não perder nenhum segundo dos acontecimentos que nos cercam. O lance é que a felicidade é um flash, é um momento com vários picos, que só alcança quem esta entregue ao momento.
 As ultimas semanas foram mais ou menos assim:
Conheci uma pessoa especial, uma cineasta francesa, louca e engraçada, chamada Marion, com quem cruzei varias vezes pelo Hostel, que é quase uma comunidade, uma família na verdade, o Buddy's, casa da Laissa, Pedro, Caue e Guinter. Como todas as outras pessoas que conheço em Itacaré, cada um deles tem uma história muito curiosa que os trouxeram ate aqui, mas isso é conversa Pra um outro dia.
Como disse, cruzava com Marion sempre, e nunca trocava mais do que um oi ou um bom dia. Com alguns amigos em comum foi através dela que soube do Festival de cinema baiano, FECIBA, e de repente estava combinado que iríamos juntas para três dias em Ilhéus, para o festival.
 No festival de cinema, muitos filmes e muita gente interessante. A galera da organização do festival foi ótima. Entre as pessoas que conheci estava o Leon, cineasta do recôncavo baiano, que entre conversas nos falou sobre a festa de São João em Cachoeira, terra do samba de roda, com muitos shows durante as festividades, inclusive Alceu Valença, Gilberto Gil e o incrível Samba de Roda da Dona Dalva. E foi através do Leon, que uma semana depois estávamos na casa do seu amigo Breno, musico e cineasta em Cachoeira. Um cara muito gente boa, com um coração enorme. Dos quatro dias que ficamos na casa dele vimos várias configurações diferentes no apartamento, sempre cheio de gente, conversa e principalmente música, ininterruptamente. A coisa foi tão louca que um dia cheguei de um show, e lá da rua vi Andréia, uma artista de Salvador, pendurada na janela. Quando entrei no apartamento estava rolando um ensaio fotográfico, as três da manhã, que começou de brincadeira, mas a fotografa( que ate então nunca tinha visto antes) realmente se empolgou, enquanto as outras pessoas faziam um som do outro lado da sala. Cada dia, ou cada noite, alguém partia e alguém chegava, ou pelo menos passava. Foi uma delicia. Muitos encontros criativos naquele lugar, na música, na dança, na fotografia, na comida.  E foi assim, minha passagem por cachoeira. Pra saciar qualquer sede.
Agora, a volta de cachoeira para Itacaré, foi uma odisséia.
Quinta-feira, 30 de Junho, 17:00. Cinco pessoas sentadas na Rodoviária, minúscula, de Cachoeira. O ultimo onibus Pra Itacaré sai da cidade antes das 12:00. Isso nos ja sabíamos, so não sabíamos que não havia mais nenhum onibus na Rodoviária aquele horário seguindo sentido Sul, ou seja, não havia onibus para sair da cidade. E não tínhamos mais onde ficar, pois o Breno e o Pedro, que estavam nos hospedando, viajaram naquele mesmo dia.
Depois de um extenso e exaustivo  interrogatório com a menina do guiche descobri que estávamos na rua e na chuva. A gente se olhava e ria. E foi ai que descobrimos que havia um onibus Pra sair, um onibus pra Salvador, sentido oposto do nosso destino. Rapidamente a produção tomou as devidas providencias. Marion acionou seus contatos e conseguiu, com seu futuro namorado, Caio, , acomodação para cinco mendigos, no apartamento da avó do rapaz, que estava viajando. Todos de acordo, as passagens foram compradas. E lá fomos nós Pra Salvador. As duas horas que separam Cachoeira de Salvador não poderiam ter sido mais...intensas.
O bagageiro não tinha mais espaço, por que uma familia estava com uma barraca enorme de feira Pra ser transportada, nao so a barraca, mas todo o material a ser vendido. Ja dentro do onibus varias pessoas que viajariam de pé me deixaram feliz com meu assento ao lado do banheiro. No banco atras de mim cinco pessoas dividiam dois assentos, e uma senhora transitava alegremente da poltrona da janela para o corredor, onde seguia empurrando as pessoas que estavam em pé, brigando com alguém chamado Rodrigo, que estava sentado lá na frente. Fazendo questão de sempre puxar o meu cabelo quando levantava do banco.
 Aquele era o tipo de ônibus onde o número da poltrona indicado na passagem não tem valor algum. Na minha frente houve um leve desentendimento quando uma mulher fez valer o seu direito e expulsou um homem do seu lugar. Esta mesma mulher sentou, abriu sua super bolsa e enquanto o ônibus seguia começou um ritual que eu não estava entendendo muito bem, começou a pentear o cabelo de um jeito esquisito, meio na horizontal, e de repente eu percebi que ela estava fazendo uma touca. Talvez estivesse adiantando as coisas, pra chegar em casa e dormir. Pra quem não sabe, touca é uma técnica dazantiga  para preservar a escova. Consiste em pentear o cabelo, prende-lo na horizontal, em volta da cabeça, e prende-lo com grampos. Confesso, fiquei de cara, mas quando ela sacou a touca e colocou na cabeça...não qualquer touca, uma original touca feita de meia calça, e colocou na cabeça, admirei aquela mulher. Só não soube se tinha presenciado um excesso de vaidade ou seu total desapego. 
Enfim, a viagem seguia, as luzes apagadas, eu dormi de um lado e a Marion de outro. Caue, Guinter e Rodrigo estavam espalhados pelo ônibus. Tudo ok, até eu acordar com uma gritaria. Alguma coisa acontecia na parte da frente, eu não conseguia ver nada. Vários passageiros estavam aglomerados e xingando alguém. Muitas vozes de mulheres bravas. A Senhora atras de mim estava frenética, quicando no corredor. Um alvoroço. Um pouco depois, quando toda a indignação e raiva estavam virando piada, entendemos  que um homem estava discutindo com a mulher, a briga ficou feia, tinha uma mala envolvida na discussão, ele levantou, puxou a mala, ela não deu (serio, as notícias chegaram assim) puxou de volta, ele bateu nela, alvoroço, as mulheres gritam, querem pegar o cara, muitas ofensas, eles sentam, tudo parece se acalmar. Não, espera...ele deu um tapa nela, novo alvoroço, um gringo pega o cara pela garganta e senta ele de volta no lugar, todo mundo grita, todo mundo ri. A senhora do assento de trás esta em êxtase, corre no corredor Pra lá e Pra cá, gritando que "tem que jogar ele Pra fora do ônibus". Eu só conseguia rir, aquilo era muito surreal. Lembro da Marion dizendo que nunca veria aquilo na França, feliz da vida por estar no Brasil.
No fim das contas, o motorista parou,  segundo o Caue e Rodrigo que estavam bem no banco de trás, em cima dos fatos, o cara levou vário tapas e bofetões das mulheres que estavam por perto, levou um pescoção do motorista e foi jogado Pra fora do ônibus. Na chuva. Em outra cidade. Sem a mala e sem a mulher. Os comentários seguiram animados até Salvador, sem pudores pelo fato de a mulher ainda estar no ônibus.
Continua...
Nossa, muita coisa. To saindo agora, Pra viver mais um pouco, rs!

segunda-feira, 17 de junho de 2013


Eu vou torcer pela paz

Daqui de Itacaré, à quilômetros de São Paulo, acompanho eufórica a reação popular diante de tanta falta de respeito.
Ao longo da minha vida sempre senti, escondida ali na sombra, sempre a espreita, um vestígio de ditadura, maquiado por falsos direitos e uma suposta liberdade comemorada pela geração que me acompanha. Os anos de chumbo da ditadura, sempre lembrados com louvor aos que deram a vida pelo direito de falar, pensar e expressar livremente. Ainda que isso foi no passado. Só que não!
 Quando torço pela paz e pelo amor, não é uma torcida pela não reação. Não é uma torcida pelo conformismo. É uma torcida para que a insatisfação possa ser verbalizada. Que a insegurança de um caminho perigoso, que se antes ficava a espreita, agindo com descrição, agora é escancarado, possa ser traduzida em manifestações e declarações abertas depostos de vista e idéias de mudança.
A minha torcida pela paz, é de que não sejamos coagidos, quando encurralados pelo despropósito político, que por si só já é uma forma de opressão, possamos fazer uso do nosso direito de gritar abertamente por mudança, nos fazendo ouvir, da forma que for necessária, sem sermos calados pelos cães de guarda da ordem reacionária.
 Uma fresta da porta ficou aberta, e por esta fresta foi possível, para aqueles que nao se deixam enganar pela maquiagem, avisar aos que ainda estavam do lado de dentro que era tudo mentira.
Alguns acreditaram, mas a maioria ignorou o absurdo daquelas palavras. A liberdade estava ali, era possível assistir qualquer programa e se dizer qualquer coisa na TV. Era possível ir ao cinema buscar informação. E a internet, sempre a disposição para se buscar qualquer verdade. Como é possível não ter liberdade com tanto acessos informação?
Quando o responsável por vigiar a porta e controlar o que ,e quem, passava por ali percebeu aquela fresta e se deu conta do que estava acontecendo, mandou que fechassem a porta. Os poucos que ja estavam do lado de fora fizeram um buraco na parede, e continuaram a sussurrar idéias que começavam a fazer sentido, e agora ja eram vários os que se davam conta da mentira e queriam sair dali atraves do buraco. O buraco foi descoberto, muitos que estavam por perto foram atingidos pelos tijolos e cimento e pisoteados, enquanto bruscamente fechavam aquele buraco. A essa altura os poucos ja não eram poucos, e o que sussurrava começou a falar mais alto, lembrando a todos de um tempo parecido, onde era perigoso falar. Um tempo que deu origem ao sussurro, apresentado a todos como a melhor opção de dialogo, como prêmio de uma luta intensa, contra a lei do nao falar. Receberam o direito de liberdade de expressão, o direito de sussurrar.
O grito falou forte aos ouvidos dos que estavam por perto e dos que estavam longe, muito longe da porta ou do buraco, e estes tambem se incomodaram com as notícias que chegavam, que deixaram de ser notícias sobre os outros e passavam a ser notícias sobre eles. E foi ai, que a vontade de gritar o que era sussurrado cresceu, incontrolável. E todos gritaram e caminharam em direção a porta, para somarem suas diferenças na unidade que se formava ali.
O responsável por aquela porta já se sentia seu dono, e pasmo com a ousadia daquela gente, mandou soltar os cachorros. Não havia espaço Pra reclamação, muito menos diante da porta, que tinha acesso liberado para um seleto grupo.
Os cães vieram, as pessoas corriam reagrupavam e voltavam. E a historia chegava cada vez mais longe, e cada vez que era contada um numero maior de pessoas não acreditavam que aquilo podia acontecer, não ali, onde havia liberdade. Mas ai, ficavam sabendo da porta e dos cães. E mais pessoas chegavam, e os cães vinham e as pessoas não desistiam.
E pelo direito de não querer, não gostar, não concordar, não aceitar e de poder falar livremente e se mobilizar em busca de dialogo e mudança, chegou o dia em que a porta ia cair.

Minha torcida pela paz vem do desejo  de que toda luta seja legitimada pelo respeito ao direito de pensar, falar e lutar por mudanças, sem que ao mero sinal de insatisfação popular sejamos massacrados, calados a força e dispersados de volta ao ideal de conformismo que esperam de todos.
Estou sendo muito repetitiva, mas a história se mostra assim, e apesar de este ser um tempo onde me desfaço de tantos medos, ainda existe um receio desta reincidência.