sexta-feira, 12 de julho de 2013

Parte II

Chegado em Salvador estávamos todos fora do nosso território, todos sendo guiados por uma francesa em Salvador. A única que conhecia o caminho.
Saindo da Rodoviária e atravessando uma ponte sobre um rio poluído, cercado por rodovias em suas margens  me trouxe uma certa familiaridade com o local.
Pegamos o ônibus e seguindo a orientação do cobrador, descemos no lugar errado, e andamos, muito, na chuva.
Com uma super mochila nas costas eu andava pela orla da Barra e pensava de quanto tempo vou precisar para começar a deixar minhas coisas pelo caminho, cansada de carregar os exageros que carrego comigo. Talvez ainda tenha que andar muito, e aposentar a mala de rodinhas.
Depois do que me pareceram milhas e milhas finalmente encontramos o prédio.
Novo drama.
Marion toca o interfone. O porteiro atende, ela informa o apartamento em questão. O porteiro então estica o pescoço para ver melhor os cinco mendigos molhados, com mochilas, perdidos no bairro de classe media as onze da noite.
Desconfiado o porteiro reponde que não havia entendido. Marion repetiu o número do apartamento e o nome da Vó. Tive que entrar na conversa, por que nao estava rolando um entendimento. Ele nos disse que a dona não estava, explicamos a situação e que na verdade era o neto dela que nos esperava. O porteiro afirmou categoricamente que Caio também não estava, que não aparecia lá havia semanas, e que o apartamento estava vazio. "Mas nós  acabamos de falar com ele".
" Ele não esta não. O apartamento esta vazio. Se tivesse alguém teriam avisado aqui na portaria que vocês estavam chegando."
Foi um misto de aflição, risos nervosos e impaciência. Foi preciso continuar insistindo para que tentasse contato com o apartamento. Finalmente ele ligou, momentos de tensão. O porteiro havia conseguido instaurar a duvida em mim, e agora eu já pensava em onde iria dormir caso fossemos jogados na rua.
"Ninguém atende." Ele disse triunfante.
" Moço, tenta de novo." Enquanto isso Marion tentava sem sucesso falar com Caio pelo celular.
O porteiro tentou mais duas vezes. A essa altura já estávamos lá dentro, no saguão do prédio. Havíamos criado um vinculo do infortúnio com o porteiro. Nós, sem tetos em potencial em buscas de abrigo e ele, com um turno todo pela frente e cinco pessoas insistentes, ali no seu saguão, as quais ele havia cometido o erro de deixar entrar, e já vislumbrava a dificuldade de tira-las dali. Eu vi tudo isso na cara dele, e tive que rir, coitado do homem. So queria passar a noite tranqüilamente ali na guarita assistindo sua tevezinha. Ele era o retrato do arrependimento. Principalmente quando apareceu um morador, estilo o intrometido da vizinhança. E teve inicio toda uma explicação sobre o por que do burburinho.
Quinze minutos se passaram quando finalmente o telefone tocou, o porteiro atendeu. E eis que ninguém mais, ninguém menos do que Caio ao telefone, tranqüilíssimo, recém saído do banho.
O porteiro sorriu sem graça, Marion sorriu feliz, o restante de nós sorrimos aliviados.
A casa da vó era exatamente uma casa de vó. Um apartamento cheio de coisas lindas e antigas. Banho que te e cama macia.
No dia seguinte conhecemos a pérola desta viagem, Geraldina, uma pessoa linda, e muito carinhosa, que trabalha com a vó( todos já nos consideramos seus netos, ainda que ela não nos conheça) há muitos anos.
Foi com lagrimas nos olhos que no dia seguinte me deparei com a mesa de café da manha que Geraldina preparou Pra nós, mas fiquei um pouco constrangida por não te-lá ali na mesa comendo conosco. Mesmo com toda nossa insistência ela não quis sentar para tomar café.
Depois do café fui ate o Teatro Castro Alves para fazer a inscrição em um curso de desenho de figurino. A idéia era que assim que eu voltasse pegaríamos o caminho da roça.
Retornei ao apartamento e assim que passei pela porta sabia que não seria assim tão rápido. Vários aromas inundavam a sala, e a mesa ja estava posta. Geraldina preparava o almoço, e nenhuma das quatro criaturas que ficou no apartamento avisou a ela que já estávamos de partida. Segundo eles seria quase uma falta de respeito, uma desfeita.
Almoçamos felizes e tranqüilos, na verdade ninguém queria ir embora. Mas todos de alguma forma tinha, seus compromissos. Eu, no caso, só queria estar em Itacaré até as 21:00 para trabalhar. Mas a vontade era bem outra. A total liberdade que todos temos,o compromisso com nossas escolhas e a consequência de nossas vontades. É disso que se trata.
A volta era simples. Ônibus até o Ferry Boat, de Ferry Boat até Bom Despacho, e lá um ônibus direto para Itacaré. O ultimo saindo as 16:00.
É curiosa a estupidez do ser humano, que passa pelas mesmas dificuldades, inúmeras vezes, pelos mesmo motivos e ainda assim continua fazendo tudo igual.
Faltando cinco minutos para o horário de saída, chegamos a estação. Chegamos em tempo, quem atrasou foi o Ferry Boat. E atrasou muito.
Com o trajeto todo cronometrado para chegar a tempo de pegar o ultimo ônibus em outra cidade, o plano não admitia atrasos. Durante a espera compartilhamos historias e algumas vontades, entre elas a minha vontade conhecer Camamu, que só tinha ouvido falar o nome. Quando saímos de Salvador já passava das 15hs00, e chegamos a Bom Despacho quase 17h00
É claro, obvio, que o ônibus saiu pontualmente as 16h00, sem nenhum passageiro, pois estavam todos atrasados, junto com o Ferry. Nova rota, um breve interrogatório no guiche de passagens, e descobri que havia um lugar, ha quarenta minutos de Itacaré, pra onde coincidentemente estava saindo um ônibus naquele exato momento. O lugar era Camamu.
A essa hora já havia enviado uma mensagem ao chefe, avisando que ia me atrasar. Como alguém que entra as nove da noite, e mora na mesma rua do trabalho, consegue se atrasar, ele deve ter pensado. Mal sabe ele, e se soubesse, não acreditaria.
Até Camamu seria, aproximadamente, quatro horas de viagem. Chegamos lá e a cidade estava vazia, tudo fechado, inclusive a minúscula rodoviária.
Depois de conversar com os únicos dois moradores a desobedecer o toque de recolher, constatamos que não havia mais transporte para casa.
De repente um potente sistema de som sobre rodas vira a esquina. O som do Axé, vibrando até na minha medula, ecoava dali até Manaus. Pensei que passaria direto, mas parou, desligou o som e se ofereceu Pra nos levar por um preço razoável, caso precisássemos. E eu que estava com uma reclamação pronta por aquele som terrível, só consegui sorrir e agradecer pelos acezeiros de plantão. Sempre tão dispostos e com tanta energia. Proteja Senhor, todos eles.
Foi só o tempo dele ir guardar suas caixas faraônicas para que pudéssemos entrar no carro,  e estávamos no caminho.
O dono do carro foi nos contando sua história, um faroeste caboclo, sobre o seu irmão, que tinha sido assassinado há umas semanas, e como havia se aproximado do assassino, sem que este soubesse quem ele era, e como pretendia conseguir sua vingança ganhando a confiança do cara. Uma história surreal, com muita arma, violência, tristeza e vingança. Me impressionou muito. E se não foi verdadeira, admiro a mente que a produziu.
Cheguei na porta de casa, na Pituba, exatamente as 22:20. Foi o tempo de tirar a mala do carro, entrar em casa e ir pro trabalho.
Cheguei na cidade atrasada, cansada, mas a tempo de descobrir que aquecera o primeiro de quatro dias da festa de São Pedro. Fui obrigada a ir Pra lá né, assim que o bar fechou, a uma da manhã.

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